quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Isto e os outros

Toda esta questão dos "migrantes" daria muito para rir se não fosse tão trágica. Para rir da ignorância, dos horizontes estreitos, das mentes quadradas, das declarações políticas idiotas.
Mas eu, que declaro sofrer de um problema chamado sensibilidade, não tenho vontade de rir. Tenho lido as mais incríveis teorias xenófobas e neonazis a propósito disto tudo. Que é sensasionalismo, que é manipulação, que há muito quem precise de ajuda por cá, que é um problema dos outros.
Mas sabem o que isto me faz lembrar? Timor Leste. Eu lembro-me de me vestir de branco, de fazer cartazes e manifestações e de o mundo inteiro ficar calado, calado... Lembro-me de um barco lançar flores ao mar e o mundo calado... Lembro-me da minha raiva de adolescente e da impotência de não haver ninguém que estendesse uma mão àquele povo. Até aparecer petróleo e os Americanos e os Australianos terem tido uma inspiração humanista e solidária e resolverem o problema.
Agora ir meter o nariz no vespeiro da Síria e incomodar estes e outros na Turquia, no Iraque, na Líbia por causa de uma guerra dos OUTROS (tão outros que até têm outra religião, veja-se lá!) isso é que não.
Os americanos dizem que é um problema europeu, os europeus empurram uns para os outros, empurram para debaixo do tapete ou do mar ou do arame farpado (o que estiver mais à mão). As instituições internacionais não se mexem, não aparecem. Todos os que têm poder e responsabilidade falam falam falam falam mas eu não os vejo a fazer nada.
Por um lado eu entendo que não se pode simplesmente abrir as portas indiscriminadamente mas menos entendo que ninguém atue perante os governos dos países de origem destas pessoas, que ninguém esteja a implementar um plano e a organizar as coisas de forma mais serena.
Eu cá se tivesse andado um mês com um filho ao colo para o salvar da guerra, sem dinheiro, sem roupa, sem comida ou água também não ia chegar a uma barreira e dizer delicadamente "Senhor polícia eu gostaria de passar airosamente pelo seu país para chegar a outro onde pudesse criar a minha família em segurança, importa-se? Obrigadinha e bom dia."
E depois temos os iluminados cidadãos deste país a dizerem que não estão para pagar para alimentar os OUTROS lá das arábias e da África mas eu cá digo que preferia alimentar os outros do que suportar os desmandos,as luvas e as megalomanias dos políticos de cá.
Chamem-me sentimentalona, chamem-me altruísta, chamem-me generosa, chamem-me humana, chamem-me mulher mas eu não posso admitir que alguém justifique ou aprove ou ainda louve a situação desumana dos refugiados. Não admito. É cruel, é torpe, é monstruoso que milhões de pessoas educadas em países e sociedades evoluídas, com valores e reconhecimento pelos direitos humanos façam de conta que é com os outros. E lá no fundo da minha memória (tão no fundo que é uma memória mais antiga que eu) há um alarme que soa e me diz que já vi isto antes, tantas vezes antes e a humanidade não aprendeu nada.
in:http://www.praguepost.com/viewpoint/35290-stopping-the-syria-contagion
O que me preocupa mesmo é o leão Cecil, o cão Sam, as ruínas de Palmira e a novela nova da SIC. O resto é lá com os outros.

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