domingo, 27 de novembro de 2011

Triste FADO, triste?


Muito se tem falado de fado nestes dias. O fado. O nosso fado. A alma lusa. A voz de todos nós.
Até há alguns anos não gostava de fado. O que dizia o fado a uma criança imaginativa, a uma adolescente cheia de sonhos, a uma jovem a desbravar a vida cheia de entusiasmo? Detestava (e ainda detesto) o fado da tradição, desgraçadinho, com muitos ais, morrer de amor ou de tristeza, "eu beijo as pedras do chão que ele pisar no caminho", o fadinho infeliz, cheio de ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh a reverberar no peito. Outra coisa que não suporto são crianças a cantar fado como papagaios, macaquinhos de imitação, fotocópias esborratadas do fadinho desgraçadinho a chorar coisas que não podem saber o que são, e gente que é fadista de karaoke. E depois há os que são fadistas porque sim, porque está na moda, porque é in, porque é menos mau que ser cantor pimba.
Eu nunca fui a uma casa de fado, nunca entrei nesse ambiente meio subterrâneo da cultura urbana, nunca conheci nenhum fadista, nunca achei que a Amália falava de mim. Primeiro, porque o fado já não é o que era, a canção boémia, marginal e verdadeiramente desgraçadinha. Depois porque não sou de tradição. Por fim, porque nunca me apeteceu. Mas sempre adorei a música da guitarra e as composições de Carlos Paredes sempre me ressoaram algures entre a coluna e o externo.
Mas então apareceram a Mariza, a Cátia Guerreiro, a Ana Moura a cantar coisas que falam de mim, de estar no carro a pensar na vida, da mulher que lê búzios, do cavaleiro monge, da chuva. Não são desgraçadinhas, não beijam as pedras, não gargarejam ahhhhhhhhhhs.
Foi durante o Euro 2004, conhecido entre os meus amigos como " a última vez em que fomos verdadeiramente felizes" que vi a Mariza num palco enorme e centenas e centenas de pessoas ali a ouvir. Gente de todas as idades parava e ficava. De boca aberta de espanto, como que encantada, também parei e fiquei a ver e ouvir aquela mulher excessivamente alta de negro que enchia um palco inteiro a cantar o tal do fado. Pensei para mim "esta mulher é um animal de palco"!!!!!! Foi nessa noite a primeira vez que o fado falou de mim e nos dias seguintes contei a toda a gente que a Mariza era um animal de palco como eu nunca pensara que uma fadista pudesse ser.
Foi 2004, foi o Euro, foi a Mariza, foi a vida, foi a dor, foi a alegria, foram os 30, fosse o que fosse hoje sinto o fado, sou do fado, sou pelo fado, sou fado. O que é certo é que é preciso viver um bocado para sentir o fado e é preciso que o fado deixe de falar dos xailes negros e da estiva e fale das calças de ganga e das hipotecas para continuar a ser o que sempre foi - a voz da alegria e da dor dos portugueses! O que hoje celebramos e partilhamos com a humanidade é a alma de ser português, desta maneira ora infeliz ora eufórica ora lamentosa de ser, que só nós sentimos e apenas o fado, mas só em parte, consegue explicar.
Fado triste? Nem sempre, por favor!

2 comentários:

  1. Gostei muito. Não sou grande fã de fado, na verdade, mas há fados que me conseguem arrepiar. Mas são todos da Amália ou do Carlos do Carmo, curiosamente. São os que acho que têm a tal alma portuguesa:) Os atuais já não me passam a mesma emoção, tirando alguns casos. Belo texto!

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  2. Só há pouco comecei a apreciar fado. A primeira voz que realmente apreciei foi Amélia Muge quando estudei Pessoa e a ouvi a cantar "Nevoeiro". Faz-me tremer toda de cada vez que a ouço. Agora encontrei "Tive um coração, perdi-o" de Amália. Apesar de ser o fado triste, desgraçadinho, como foi aqui descrito, adoro esta música pois é bastante perturbadora. Só o facto de personificar a morte que a anda a namorar e que ela quer ir com ela deixa-me com uma angústia e uma tristeza que só as lágrimas conseguem expressar. Aprecio Ana Moura e Mariza, mas nelas ainda não encontrei uma música que me marcasse como estas duas que aqui referi.

    Continua a expressar as tuas ideias de forma espontânea e sem medos. (:

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