terça-feira, 22 de novembro de 2011

do amor e das crianças


Ontem, eram mais de nove da noite, estava eu em pijama, prontinha para me meter na cama com um bom livro, ouvi uma criança chorar na rua. Só ouvia a criança, nenhum adulto. Ao fim de alguns minutos resolvi espreitar. Era um menino pequeno, 5, 6 anos que brincava na rua de cá para lá, falando para si próprio, aparentemente sozinho. Fiquei ali à espera de ver o adulto que o acompanhasse, o irmão mais velho, alguém.
Ao fim de algum tempo o menino continuava por ali. Sem uma camisola, um casaco, nada, a não ser um lenço que me lembrou Arafat que fazia esvoaçar na mão. Eram nove e meia, um frio de rachar e o miúdo andava por ali. Decerto gelado, sozinho, indefeso. Passaram-me mil histórias pela cabeça.
Vesti-me de novo, pus um gorro, meti o telemóvel e as chaves no bolso, desci as escadas e fui para a rua. Gelei assim que abri a porta. Não vi o miúdo, percorri as ruas ali perto. Nada. Voltei para trás, achei que alucinava. Mas não. Lá estava ele. De camisa de algodão e sozinho a brincar com um tubito de plástico. Aproximei-me devagar, falei com ele, perguntei se andava na escola, apresentei-me. Disse-me o nome, que andava no primeiro ano, o nome da professora. 6 anos, concluí. Estava gelado mas disse que não tinha frio. Sentei-me no muro a falar com ele. Disse-me que a mãe trabalhava num café ali perto. Mas o café era noutra rua. Limpei-lhe uma lágrima da face e ele disse que estava triste porque alguém lhe tinha batido no café. Fiz-lhe uma festa na cabeça e disse-lhe que podia ficar ali com ele mas ficava mais descansada se ele fosse para perto da mãe e que ia até lá com ele. Sorriu, um grande sorriso luminoso de criança e disse "então vamos por aquele lado que o caminho é mais curto". E saltitou à minha frente na noite gelada. A meio do caminho apareceu uma mulher que ralhou com ele por estar na rua com o frio. Disse-lhe que o ia levar à mãe e ela disse que o levava. O menino correu até à porta do café.
Voltei para casa gelada e com o coração apertado. Eram quase dez da noite. Durante mais de meia hora apenas eu me preocupara com aquele menino. Durante mais de meia hora ninguém o procurara.
Eu sei que meninos de seis anos fazem birras e fogem e não ligam ao frio. Sei que há mães que precisam de levar os filhos para um café à noite para poderem trabalhar. Mas também sei que uma mãe não perde o filho de vista por mais de meia hora à noite, por muito que esteja a trabalhar. Sei que a zona é aparentemente calma mas tem estrada, carros, duas fontes, cães vadios. Sei que como eu quis levá-lo à mãe (ou à GNR que era o plano B) qualquer pessoa podia levá-lo para longe, fazer-lhe mal.
Deitei-me com um sentimento de dever cumprido mas com o coração apertado, e o olhar triste daquele menino que queria ter levado comigo para o proteger, para o aquecer, para o amar. Quantos meninos andavam na rua àquela hora sem terem quem os amasse, ainda que fosse por meia hora? Quantos meninos mereciam o meu amor? E é esta questão dolorosa que hoje me faz estar assim, com este aperto no fundo da garganta e uma vontade de mudar o mundo nem que seja de apenas um menino.

1 comentário:

  1. Já tinha lido e queria comentar aqui. Incrível como a essa hora está uma criança na rua, no meio do frio. Imagino o turbilhão de sentimentos que te assaltaram, tendo em conta o perigo que ele corria e o resto... As crianças ainda são o melhor do mundo. E é tão bom saber que há quem as queira amar. **** Bjinhos

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