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Muito se tem falado de fado nestes dias. O fado. O nosso fado. A alma lusa. A voz de todos nós.
Até há alguns anos não gostava de fado. O que dizia o fado a uma criança imaginativa, a uma adolescente cheia de sonhos, a uma jovem a desbravar a vida cheia de entusiasmo? Detestava (e ainda detesto) o fado da tradição, desgraçadinho, com muitos ais, morrer de amor ou de tristeza, "eu beijo as pedras do chão que ele pisar no caminho", o fadinho infeliz, cheio de ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh a reverberar no peito. Outra coisa que não suporto são crianças a cantar fado como papagaios, macaquinhos de imitação, fotocópias esborratadas do fadinho desgraçadinho a chorar coisas que não podem saber o que são, e gente que é fadista de karaoke. E depois há os que são fadistas porque sim, porque está na moda, porque é in, porque é menos mau que ser cantor pimba.
Eu nunca fui a uma casa de fado, nunca entrei nesse ambiente meio subterrâneo da cultura urbana, nunca conheci nenhum fadista, nunca achei que a Amália falava de mim. Primeiro, porque o fado já não é o que era, a canção boémia, marginal e verdadeiramente desgraçadinha. Depois porque não sou de tradição. Por fim, porque nunca me apeteceu. Mas sempre adorei a música da guitarra e as composições de Carlos Paredes sempre me ressoaram algures entre a coluna e o externo.
Mas então apareceram a Mariza, a Cátia Guerreiro, a Ana Moura a cantar coisas que falam de mim, de estar no carro a pensar na vida, da mulher que lê búzios, do cavaleiro monge, da chuva. Não são desgraçadinhas, não beijam as pedras, não gargarejam ahhhhhhhhhhs.
Foi durante o Euro 2004, conhecido entre os meus amigos como " a última vez em que fomos verdadeiramente felizes" que vi a Mariza num palco enorme e centenas e centenas de pessoas ali a ouvir. Gente de todas as idades parava e ficava. De boca aberta de espanto, como que encantada, também parei e fiquei a ver e ouvir aquela mulher excessivamente alta de negro que enchia um palco inteiro a cantar o tal do fado. Pensei para mim "esta mulher é um animal de palco"!!!!!! Foi nessa noite a primeira vez que o fado falou de mim e nos dias seguintes contei a toda a gente que a Mariza era um animal de palco como eu nunca pensara que uma fadista pudesse ser.
Foi 2004, foi o Euro, foi a Mariza, foi a vida, foi a dor, foi a alegria, foram os 30, fosse o que fosse hoje sinto o fado, sou do fado, sou pelo fado, sou fado. O que é certo é que é preciso viver um bocado para sentir o fado e é preciso que o fado deixe de falar dos xailes negros e da estiva e fale das calças de ganga e das hipotecas para continuar a ser o que sempre foi - a voz da alegria e da dor dos portugueses! O que hoje celebramos e partilhamos com a humanidade é a alma de ser português, desta maneira ora infeliz ora eufórica ora lamentosa de ser, que só nós sentimos e apenas o fado, mas só em parte, consegue explicar.
Fado triste? Nem sempre, por favor!