sexta-feira, 18 de julho de 2014

As guerras dos outros

Ontem, à hora do jantar, o meu marido ligou a televisão e disse "Olha, são as imagens do avião". Avião? Qual avião? Mais um que perdeu peças... "O da Malaysia Airlines" Ah, o do mar. "Não, o que caiu na Ucrânia." Outro? Bolas! E morreu alguém? (Pergunta mais parva, quando cai um avião morre sempre alguém) "295 pessoas. " !!!!!! :o
... segundo os Estados Unidos, o avião foi abatido por um míssil terra-ar... Continua um jornalista.
Estou pasma. Passa-se um dia sem ver notícias e acontece isto. Na Ucrânia. Um avião abatido. Não um avião militar, não um avião espião, mas uma avião civil cheio de europeus, australianos e pessoas de outros países civilizados, que iam para umas férias civilizadas numa cidade civilizada chamada Kuala Lumpur, que foi abatido sobre um país europeu civilizado, a Ucrânia, não se sabe bem por quem.
Crash site
Enquanto foi o Iraque, a Síria, Gaza e Israel, eram as guerras dos outros, dos Árabes, do médio Oriente, quase como se fosse noutro planeta, os venusianos contra os marcianos ou os vulcanianos contra os plutonianos. Mas a Ucrânia é mesmo ali ao virar da nossa esquina. Já não há muro de Berlim. A cortina de ferro foi-se. Os holandeses e os britânicos são nossos compatriotas europeus abatidos sobre a Europa numa guerra que não era a deles - ou será que era? Mais do que matar criancinhas inocentes, indefesas e inofensivas em Gaza, atacar um avião civil cheio de europeus revolve-nos o estômago. Subitamente já não é uma guerra dos outros. Subitamente podíamos ser nós a voar para umas férias de sonho. (Já agora lembrem-me de nunca voar com a Malaysia Airlines: aqueles aviões têm um azar do caraças!)
Eu, que penso sempre tanto, não sei bem o que pensar nem o que escrever. Mas tenho aqui na garganta um estranho nó que não tem nome e uma convicção de que todas as guerras são nossas, mesmo as guerras dos outros...
http://www.bbc.com/news/world-europe-28359345


quarta-feira, 18 de junho de 2014

Da felicidade

É tão raro mas tão raro escrever-se sobre a felicidade. Talvez seja porque, como eu própria digo, não se escreve a alegria. Mas é também um traço deste nosso povo de fado que rima mais com tristeza e com desgraça, dor e mágoa.
Hoje, coisa tão rara, quero escrever sobre a felicidade. A das pessoas que amamos. A dos dias de sol. A de um trabalho que correu bem. A de um aluno que nos dá um desenho, um beijo, um abraço. A do esforço reconhecido. A do gato que ronrona no nosso colo. A dos amigos que partilham connosco os bons e os maus momentos.
A felicidade, mais do que a tristeza é para partilhar e para contagiar nem que seja num blog, num SMS, num agradecimento silencioso aos céus. A felicidade é mais rara e mais valiosa que uma caixa cheia de pedras preciosas - que são belas mas frias- , e, ao contrário das jóias, não pode ser enfiada no cofre mas generosamente repartida.
Hoje, partilho a minha felicidade connosco e saibam que quanto mais se partilha mais se multiplica, menos à laia de matemática e mais à da física.
Sejam felizes.

On top of the world

http://youtu.be/g8PrTzLaLHc
Já que o facebook não abre devido às restrições do MEC, aqui fica para eu partilhar mais tarde.
That's how I'm feeling this morning.

sábado, 26 de abril de 2014

As minhas memórias do 25 de Abril

Para quem não sabe, há 40 anos eu não estava em lugar nenhum, pelo menos nenhum de que eu me lembre (se acreditarmos em vidas passadas) já que ainda não tinha nascido. Sei que a minha mãe estava em casa dos patrões (cujos filhos passaram a noite na cave a ouvir rádio) e não percebeu nada daquilo porque o dia dela foi igual a tantos outros. Sei que as pessoas não sabiam muito bem o que fazer em Aveiro, entre a ânsia de festejar e o medo de que desse para o torto.
A minha imagem do 25 de abril
Eu só nasci quase três anos depois. Portanto, para mim, o 25 de Abril é uma sucessão de momentos que eu não percebia. Manifestações (que hoje não sei se eram do 25 de Abril ou do 1.º de Maio) que eu ia ver descer a Avenida pela mão dos meus pais, com cravos, bandeiras vermelhas, palavras de ordem, discursos sempre mais ou menos iguais e canções da Brigada Victor Jara. Ah, e havia a feira, imensas barracas cheias de coisas que nós íamos ver enquanto os senhores de braço no ar falavam. Era sempre um dia de vestir a roupa nova e ir para o Rossio (tirando uma vez em que fomos visitar os meus avós e caiu a maior camada de granizo de que me lembro).
Quando se é criança, dias assim são marcados pelas imagens e pela emoção, e como o 25 de Abril e o 1.º de Maio eram tão parecidos e tão próximos, hoje não consigo distingui-los na memória. E depois as incoerências que nos espantam aos 4 ou 5 anos, como o estranhamento de haver um feriado por causa de uma ponte que tinha nome de data em vez de nome de ponte e afinal era de todos os dias, não era de um dia só. Porque na minha cidade as pontes tinham nome: a ponte de Pau (que não era de madeira), a ponte das Pirâmides (que não tinha pirâmides nenhumas à vista que não fossem os montes de sal que eram mais para o cone), a ponte de Esgueira (que era um túnel por baixo da linha do comboio) e as Pontes (que era uma praça por cima da ria). Agora a Ponte 25 de Abril devia ser mesmo muito importante para ter um feriado.
E havia sempre eleições. Eu gostava de eleições. Lá ia eu pela mão da minha mãe para uma grande fila que se desdobrava em muitas filas dentro do pavilhão desportivo até a uma mesa com uns senhores de gravata que liam alto o nome da minha mãe (o nome todo!) e depois davam-lhe um papel e íamos a uma mesinha muito escondidinhas e ela escrevia qualquer coisa e o papel ia para uma caixa grande e pronto. Mas era de certeza uma coisa muito séria e muito importante.
Depois cresci e o 25 de Abril tornou-se muito mais importante. Era FERIADO! Feriado, ah, essa palavra doce que queria dizer não ter escola. Esse é que foi o problema. Para os que nasceram depois de 74, mais do que qualquer coisa, o 25 de Abril tornou-se só um feriado.
Olhar de menino tímido que ousou o sonho
Hoje, o maior problema deste país é que para as pessoas como eu e mais novas do que eu, o 25 de Abril é um dia a cores no calendário em que não vamos nem para a escola, nem para o trabalho. Triste, triste povo este que não tem memória. Triste povo que hoje tem saudades da ditadura e admira Salazar. Triste povo este que não tem ideais nem sonhos.
E se eu pudesse escolher lembrar-me de uma vida passada, queria lembrar-me de ter estado em Lisboa no dia 25 de Abril de 1974 em cima de uma chaimite com um cravo no cano da G3, ou melhor, ter sido a mulher que deu o cravo ao soldado ou a criança que atravessou a minha infância nos cartazes nas paredes. Quem me dera que fosse possível que toda a gente neste país tivesse a verdadeira memória do 25 de Abril e a defendesse com unhas e dentes e cravos vermelhos.


Ontem

Ontem, o que mais me impressionou, foram as memórias das pessoas que participavam na manifestação. E fiquei contente de estar a ver televisão em vez de estar lá e ouvir na primeira pessoa as memórias reais de pessoas reais num dia real.
Onde estava há 40 anos?
Muitos estavam em casa, muitos escaparam-se a um teste no liceu, muitos estavam noutros países. Mas todos falavam desse dia com uma emoção incontida, lágrimas, sorrisos trémulos, voz embargada. Muitos diziam que antes não podiam estar ali, muito menos falar aos jornalistas do que sentiam. Alguns falaram dos pais e dos avós e do que eles sofreram e lutaram.  Então ocorreu-me que nunca tinha ouvido as pessoas falarem do 25 de Abril assim, como quem fala do primeiro beijo, do dia do casamento, do nascimento do primeiro filho. 

O dia dos 40 anos do 25 de Abril foi o dia da memória e da imensa saudade da felicidade sem limites. LIBERDADE

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Abril 40

É hoje ainda Abril da nossa esperança.
Ténue. Frágil. Doce. Agridoce. Traída.
É ainda Abril da nossa luz matinal.
Branca. Cinzenta. Desbotada. Perdida.

É Abril e não falamos com medo
de gritar e de chorar e de lutar.
É Abril e não caminhamos com ânsia
de correr e de fugir e de cantar.

É Abril novo e velho quatro décadas
e ainda somos um povo perdido
nas lembranças, desconfianças e vielas.

Um povo cansado das tristezas e quimeras,
que dorme para sonhar com liberdades
já que não tem coragem de lutar por elas.

Sara Vieira, 25 de Abril de 2014