Ah, meu velho Pessoa (na pessoa do seu heterónimo Álvaro de Campos) como nos compreendemos!!!
O superlativo cansaço. Tudo nos cansa, o trabalho, as notícias, as pessoas, a vida. Quem me dera deitar-me como um gato ao sol e dormir placidamente na minha animalidade repousada. Quem me dera ser estática e serena como uma árvore a quem alguem regasse nos dias de calor. Quem me dera ser a montanha inerte que vejo ao longe da janela. Quem me dera não pensar, não sentir, não escrever, não fazer contas, não ouvir e nem falar apenas por uns dias. Sim, porque não auto-suspender-me por uns dias? Entrar em hibernação ou em primaveração e deixar tudo passar: os horários, os papéis, as conversas, os discursos, as campanhas, tudo! Seria a suprema das felicidades e quando des-primaverasse podia maravilhar-me com as mudanças, as novidades, as flores novas, os pássaros recém-chegados, as novas ideias económicas, o obituário! Tudo com a roupagem brilhante da surpresa!
Pronto, já sei, era um desperdício de tempo. Mas não é um desperdício o tempo que passo afundada em papéis e grelhas de excell que não fazem a felicidade de ninguém? Não é um desperdício de sol, de energia, de imaginação, de alma?
Avaliando o custo-benefício, a papelada dá prejuízo. Mata as árvores, polui o ar e os rios, consome energia, consome a paciência, acumula pó, pesa que se farta e carboniza a alegria. E qual é o benefício disso? Nenhum, nenhum mesmo. Ao fim de um tempo, com sorte, acaba na reciclagem, com falta dela, num aterro sanitário. E assim acabam horas de trabalho - um desperdício.
Ah, como estou cansada! E se não estivesse tão cansada, era capaz de fazer uma revolução contra a papelada, pelo "tirem o alcatrão e plantem relva", pelo flower power!!! Mas é que estou tão cansada que até estar cansada me cansa!